Não faz sentido


De novo, é tarde, não sei o porque de só escrever assim tão tarde, talvez a inspiração esteja adormecida.O calor da madrugada aquece-me os ossos, e eu sinto uma enorme necessidade de cuspir para o papel, palavras que provavelmente nem farão sentido. A caneta, prisioneira entre os meus dedos, perdeu o rumo. Desenha agora, nas folhas amachucadas, versos que nem rimam. Escreve a saudade de tudo; daquilo que foi embora, e nunca voltou.Comecei « Nós somos tão complicados. », inspirei, dei um gole na chávena com café, e expirei um bafo quente. Continuei « Mudamos, sempre, sem saber porquê. Desde a nossa primeira palavra até ao último suspiro. Habituamos-nos ao incorrecto e vivemos com aquilo que não queremos mais ver. Que é ser mais idiota, mais esquisito. » , eu avisei que nada disto iria fazer sentido, pensei, enquanto a caneta dançava sobre a folha de papel amarelado. « Quando éramos crianças, não havia nada melhor do que receber um docinho. Quando "discutíamos" com alguém, um simples "vou contar à minha mãe" colocava tudo nos eixos. Lembro-me  do quão bom era, chegar a casa a chorar, com um arranhão no joelho, e ter a minha mãe ali, a dizer que era só um arranhãozinho e que tudo ia ficar bem. Lembro-me desse tempo bom e glorioso, com toda a sua simplicidade, onde um gelado de chocolate resolvia tudo. Desse tempo onde eu me sentia privilegiada quando a minha mãe fazia um bolo e eu podia rapar a tigela suja, com o meu dedinho tão pequenino. Do tempo, em que contar os carros vermelhos que passavam na estrada, era realmente divertido. Do tempo, em que a minha maior decepção era quando perdia os jogos da corda e das escondidas com os meus amigos, que hoje não se lembram do meu nome. E de repente, crescemos. Tudo aquilo é esquecido. Rapar a tigela do bolo já não tem piada. Ver desenhos animados perdeu a graça, pois já nada faz sentido. ». Parei mais uma vez, e desta vez, suspirei, com toda a força. « Irónico não é? Toda a nossa vida crescemos com um sorriso na cara que agora não existe, foi trocado por mil e uma questões que não sabemos responder. Costumava sorrir tanto, sem saber porquê. Sabem, se calhar nem tinha motivo para sorrir, mas na minha cabeça infantil, estava feliz. Era feliz. » , não sei porquê, tive que parar mais uma vez, conter as lágrimas e ir lavar a cara. « E as coisas que perdemos? As provas de amizade e as canções que cantávamos? A contagem decrescente para entrar na água depois de fazer a digestão? As cartas de amor que escrevi sem resposta, para o menino mais lindo da primária? As promessas que nos fizeram com o dedo mindinho? E as pessoas que juraram levantar-nos dos chão sempre que caíssemos? Onde foi tudo? » Sem forças para continuar, terminei « Não faz sentido.Fechei a carta, aquele papel amarelado, velho, num envelope cerrado, destinado ao Passado. Pedindo tudo de volta. Não obtive resposta.

Sem comentários:

Enviar um comentário